terça-feira, 20 de novembro de 2007


Eu, Cabo Anselmo

por Aguirre Talento


O enredo de Eu, cabo Anselmo, de Percival de Souza, poderia facilmente ser tido como um plágio a uma das aventuras de James Bond escritas por Ian Fleming. Mas o cabo Anselmo, ao contrário de 007, é um personagem real (ou melhor dizendo, surreal), que se infiltrou como espião em situações cinematográficas. Foi uma figura importante na ditadura militar brasileira, tanto para a esquerda quanto para a direita. Não simultaneamente.

O livro, pretensamente uma obra de jornalismo literário, está mais para jornalismo. Mas a escolha se justifica: a história de Anselmo é tão inacreditável que, se Percival de Souza resolvesse penetrar em seu discurso e ser um narrador onisciente, possivelmente perderia sua credibilidade. Assim, a narrativa reveza-se entre os depoimentos do protagonista, contando e refletindo ele mesmo sobre sua história, e alguma narração do autor Percival, buscando situar o leitor ou consultando fontes alternativas.

O grande mérito de Percival, com certeza, foi ter conseguido acesso a esta fonte privilegiada. E não perdeu a oportunidade, obteve entrevistas longas das quais muitos trechos estão publicados no livro. Passeou com Anselmo pelo Nordeste, em regiões onde havia passado sua infância e onde se deram momentos importantes da história contada no livro.

O traidor


A história de Anselmo é apresentada logo no início da obra, porque seu foco não são os acontecimentos em si, mas suas causas, suas justificativas, suas conseqüências e sua veracidade – porque, antes do depoimento do protagonista, muitas questões ao seu respeito permaneciam obscuras.

“Traidor”. Essa é uma palavra-chave da obra, e parece incomodar muito a Anselmo ser rotulado desse jeito. Figura importante da esquerda brasileira, o jovem marinheiro Anselmo liderou um movimento que acabou precipitando a ocorrência do golpe militar de 1964. Depois, foi conhecendo o comunismo, sendo praticamente “adotado” pelas lideranças da esquerda brasileira da época. Foi mandado a Cuba para aprender técnicas de guerrilha e voltar ao Brasil pronto para derrubar a ditadura.

Mas o tiro saiu pela culatra. Já de volta ao Brasil, foi capturado pelos militares e teria sido morto se permanecesse calado e não desse nenhuma informação. Mas recebeu a tentadora proposta de ajudar a combater os guerrilheiros, os seus companheiros, e permanecer vivo. Mais ainda, ter sua vida de volta, sem precisar mais andar pelas ruas com medo de ser capturado. Anselmo aceitou, e passou a ser um espião vivendo em meio aos seus antigos companheiros, denunciando-os e eliminando-os.

Anselmo não se mostra arrependido em momento nenhum, e muito menos se vê como culpado. “(Você) dorme sempre em paz? ‘Putz, tranqüilamente’”. É essa sua resposta. Teria sido mesmo uma traição? Por quê ele tomou essa decisão? É Anselmo, o próprio, quem irá responder a essas perguntas ao longo do livro-reportagem de Percival de Souza.

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