terça-feira, 20 de novembro de 2007

Show - Lobão - Concha Acústica - 09/11




Chega de Verdade


por Rodrigo Sombra


Amado Caetano: Chega de verdade / Viva alguns enganos”, cutucava Lobão no provocativo rap-maracatu Para o Mano Caetano, seis anos atrás. Ironicamente, os versos antes destinados ao filho de Dona Canô bem que poderiam descrever o atual momento artístico do lobo. Cansado de remar contra a maré, Lobão resolveu aposentar as vestes de quixote da música independente e fez de 2007 o ano de seu retorno aos holofotes centrais da indústria do disco. Para tanto, escolheu a via mais dissonante à sua velha luta anti-gravadoras, o projeto Acústico MTV. A mamata estava garantida. Cagando para acusações de traição, o cantor dá uma guinada na carreira, belisca um troco no mole e comete, num show marcado pelo cinismo, uma simulação frouxa e desavergonhada de seus melhores dias.

Segundo Lobão, seu novo álbum reinventa a pausterizada fórmula de ‘violões para as massas’ da MTV. Balela. Lançar luz sobre o repertório de sua fase independente e evitar convidados arroz-de-festa não bastam para se falar em reinvenção. O disco colide vários clichês dos acústicos anteriores e, após sua passagem por Salvador, a sensação de enfado comum a este tipo de proposta fica ainda mais evidente.

Salvo os arranjos country das baladas cornudas (especialidade de Lobão), o resto do show cai numa linearidade redundante e parece querer testar a paciência do público. A opção por emular o nervosismo das guitarras e adicionar peso aos violões, longe de abrasar, convida a bocejos. Na direção oposta, canções new wave como Corações psicodélicos se diluem em música de acampamento, festa na floresta, quando o rock pra pistas que ela realmente é dita tendências junto à moçada indie. Sentado confortavelmente com um copo de whisky aninhado entre os dedos, Lobão urra, grunhe e mostra os dentes como manda o figurino do roqueiro raivoso. È divertido assisti-lo uivar sua agressividade postiça, desenhando em trejeitos e caretas uma rebeldia calculada, enganosa.

A cenografia adornada por de molduras vazadas e o número excessivo de músicos e instrumentos dão a impressão de luxo cafona. “Parece um mix de Eagles com Roupa Nova”, sussurra uma amiga ao pé do ouvido. E completa: “se ele tocasse Hotel Califórnia, eu viria abaixo”. É, seria a piada do ano, caso o dono da festa não tivesse arquivado a ironia no passado. Em quase duas horas de show, Lobão mal se esforça para escapar da autoparódia e, pior, faz do palco da Concha Acústica um lamentável festival de puxa-saquismos e táticas rasteiras para seduzir o populacho.

Como se no formato Acústico MTV já não garantisse per si soluções de fácil apelo junto ao público, a noite guardaria tempo para uma cover suicida de Help e o inédito “sim” ao mantra alcoolizado “Toca Raul”. A insistência em relembrar o legado de Raulzito devia dar cadeia. Para Lobão e Fábio Cascadura, ambos trajando vermelho como correligionários petistas, ensejou desajeitadas interpretações das óbvias Gitã e Maluco Beleza, seguidas pela lambeção de saco do cantor baiano, que, sem a menor desfaçatez, exagerava: “Lobão, essa é a Salvador que te ama!” Estampando um maiúsculo “peidei” bem ao centro do peito, o lobo arreganha a gengiva num sorriso matreiro. Deixando alguma coisa escapar, a Soterópolis diz amém. Seja como for, a aporrinhação durou menos de uma noite. A lisergia tingida de brega por Fernando Catatau e sua trupe varreria da memória a picaretagem decadente assistida na Concha. Vida longa ao Cidadão Instigado!

2 comentários:

Ave de Prata disse...

Para tocar Lennon e Hotel Califórnia, antes o trovador da piriguetagem: Jonhnny D'Victor.
O 'mantra' de Rauzito deveria ser induditavelmente proibido para cantores sem cordas vocais afinadas.

Belo texto Rodrigo.

Álvaro Andrade disse...

Desancou bonito, em Sombrinha.
Vou mostrar ao meu amigo que disse ser o melhor show do ano. Eu já duvidei quando ele disse, agora então...

Murrinho de mão fechada. Huahauah