segunda-feira, 9 de julho de 2007

Quanto Mais Sujo Melhor


por Rodrigo Sombra

Meses antes de despejar nas prateleiras seu mais novo disco, os rapazolas do Kings of Leon ouviriam de um de seus muitos fãs que uma de suas crias, a balada Trani, figurava no pódio das melhores canções já escutadas pelo tiete. Seria uma bajulação como outra qualquer, não tivesse o gracejo saído da boca de ninguém menos que Bob Dylan. O timbre anasalado do bardo parece ter afrouxado os parafusos da gravidade ao redor daqueles quatro caipiras que, com os olhos arregalados como se estivessem prontos para sair das órbitas, testemunhavam seus joelhos começarem a dobrar-se e as pontas dos pés subitamente se descolarem do solo em suspensão. Passada a levitação delirante encarnada por Caleb, Jared, Matthew e Nathan Followil, o encontro sinalizava ao menos duas coisas: primeiro, o selo de aprovação do grão-mestre da cultura pop americana; segundo – e mais importante ainda -, sugeria que após cinco anos de estrada, a banda finalmente despistava a fugacidade do hype que vinha engasgando desde os tempos de sua incensada estréia.
Em sua terceira vinda, o àlbum Because of the Times, o clã Followill se recusa a descansar numa proposta sonora revisionista ou ser refém das tendências de ocasião. A difícil opção pelo caminho do meio, entretanto, não parece ter desorientado o quarteto de Nashville. Ao mirar o retrovisor do tempo, a banda fita a poeira elevada no passado, sem sinais de saudosismo e aponta para um sotaque cada vez mais autoral às suas ambições. Mais sujo, básico e enfezado que seus antecessores, o novo disco revela que o pulo de cerca que desviou o Kings of Leon da rota do contry rock à Linyrd slynird, The Band e Creedence Clearwater Revival não deixou seqüelas, mas a sugestão de que a maioridade anunciada no debut Youth and Young Manhood se avizinha.

A deixa para perceber o norte tomado pelo grupo vem desde a faixa inicial. O relato de uma gravidez adolescente em Knocked Up se equilibra em sete minutos costurados por uivos soturnos e guitarras sombrias, tornando um mote facilmente derrapável em pieguice juvenil num consistente hino escapista. Depois da amargura épica da primeira inaugurar a estranheza, a confusão de referências surpreende ainda mais na explosiva Charmer. Seja no canto rascante ou no baixo hipnótico, aqui não existe acanho qualquer em se arregaçar as mangas das camisas de flanela e saudar aquela que parece hoje tão longínqua (datada?) Seattle dos primeiros anos 90.

Se fivelas e esporas parecem ter ficado para trás, o mesmo não se pode dizer dos versos irreverentes ainda intocados no texto das canções. O desbunde habitual retornaria no rock garajeiro Black Thumbnail. Aqui, um Caleb Followill acossado por seus demônios interiores atropela a auto-piedade e aposta num determinismo irresponsável e fanfarrão (I aint to proud to say but thats how I'm made/ I'll be that person 'til my dying day/Your beauty, it still brings me to my knees/Don't waste a tear on me, this is my disease ). A safra de anedotas groupies não borbulha a libertinagem de antes, mas elas ainda estão aqui, mesmo quando cheiram a desilusão: “Awful sick and tired of the game/She comes from nothing/Hoping for a taste of fame”, lamenta Caleb na balada ressaquiada The Runner. As letras seguem se alternando entre desenganos afetivos, nas guitarras reggueiras de Ragoo, e promessas de amor pueris, como na dispensável True Love Way.

Because of the times transpira a vida na estrada. Mais do que alimentar a fábula dos jovens Followill rodando a América sob a batuta de um pastor itinerante que apregoava Cristo com uma mão e bebericava uísque com a outra, o disco é a prova musical da rotina hedonista desses nômades beberrões e sexualmente aventureiros. Em Fans, a banda assume o pedestal de rockstars e convida seus seguidores a andanças perpassadas por marcas de batom e noitadas nubladas em Londres. Extraviada no tempo, Camaro e seus riffs pegajosos remetem a algum lugar em que carangos desembestados e um par de pernas troncudas ainda demarcam as fronteiras do imaginário roqueiro. Mas a estrada nem sempre é o endereço de prazeres sem fim. Inadequação social, intolerância provinciana e redomas idealizadas também invocam a fuga, encorpando o cardápio de canções e salvando o disco de se perder numa descartável egotrip desordeira.

Não compre a rabugice de quem vai torcer o nariz e desprezar o Kings of Leon como mais uma bandoca efêmera condenada apenas a cumprir tabela no circuito da música pop. Se o rock já não consegue mais ser perigoso há muito tempo, as travessuras errantes do youg guns do Tennesse ainda garantem alguma diversão.


Download:
Kings of Leon - Because of the Times - Parte 1
Kings of Leon - Because of the Times - Parte 2

Um comentário:

Anônimo disse...

Sou mais Genesis, na fase pop. Tô a fim de sugeira não... Brincadeira, Guigão, depois me mostra esse som. Se Bob aprovou, tá aprovado.

Eugênio Sombra.