quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Verdades Gozadas

Baixio das Bestas
(Cláudio Assis. Brasil-2006. 80 min.)

“Traz a manteiga que hoje eu vou comer cú”. Diante de todas as boas sacadas e momentos “corajosos” de Baixio das Bestas, é justamente esse pedido do personagem Everardo (Matheus Nachtergaele) que escolho para começar tal resenha. A fala fecha a seqüência da orgia protagonizada por Everardo e Cícero (Caio Blat) em um breguinha (prostíbulo, para os mais polidos) fuleiro de beira de estrada. Os 2 jovens, típicos filhinhos de papai inconseqüentes e hedonistas, formam um dos três núcleos escolhidos por Assis para retratar o drama da condição feminina em um pequeno povoado da Zona da Mata pernambucana. As três prostitutas (Dira Paes, Hermila Guedes e Marcélia Cartaxo) formam o segundo núcleo, enquanto Auxiliadora (Mariah Teixeira) e seu avô, e pai, conforme é cogitado por seus vizinhos, Heitor (Fernando Teixeira) são os personagens principais da tríade.

Apresentando aqui em Salvador, na quarta noite do Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual (9-14 de Julho), o filme é definido por seu diretor como uma “reação” contra aqueles que apenas “rastejam” perante as adversidades. E a reação realmente é “bombástica”. Os planos capturados pela bonita fotografia de Walter Carvalho vomitam as agruras das “meninas de vida fácil”, como na cena em que a câmera enquadra por cima o marvado do Everardo pisoteando a cabeça da prostituta (personagem de Hermila Guedes), após ter logrado êxito em sua missão de: “comer o cú da puta”.

Outra cena que tornou quase obrigação o uso da palavra “cru” (não vá confundir!) nas discussões sobre o filme, é o estupro e sodomia de uma das prostitutas, Bela (personagem de Dira Paes) pelo grupo de filhinhos de papai, mostrado através de suas sombras projetadas na parede. Tais cenas são a assinatura pessoal do diretor Cláudio Assis (em Amarelo Manga, seu primeiro longa-metragem, Lígia (Leona Cavali) expõe seu bucetão de pentelhos aloirados em um big close). As cenas fortes e duras (?) fazem parte de um cinema que tenta agir, dando um tapa na cara do espectador. Gozando em sua cara imagens da "realidade nua e crua".

Nisso consiste um dos problemas do filme. A escolha por recortes da vida de personagens que, apesar de verossímeis, tem um “tempo de vida” essencialmente maniqueísta. Não há construção de personagens, mas instantâneos de seus momentos de ação, em que cada um desempenha seu papel esperado. O vilão Everardo, por exemplo, colocaria o Zé Pequeno pra correr. Bela, a prostituta que já assimilou seu modo de vida, está sempre de pernas abertas... Ainda que isso não constitua um problema em si (certamente, nem mesmo Assis, do alto de seu “ativismo”, propõe expor a realidade, que não seja através de recortes), o maniqueísmo contribui para tornar mais tênue a linha entre a denúncia e o fetichismo na imagem. Principalmente quando se trata de Cláudio Assis, acostumado a inflar platéias de “revolucionários-burgueses” com seus palavrões e jeitão de Wolverine (no seminário isso ficou mais do que provado).

A outra crítica, à monocultura da cana-de-açúcar, vem através das imagens do canavial ardendo em chamas, de forma sutil, metafórica, condizente com o padrão intelectual de quem freqüenta seminários de cinema (e de quem escreve sobre eles). Nada de verdades escarradas, como as cenas da putaria ou as conversas dos peões.

Contribuindo como naturalismo do filme, as interpretações e os diálogos são seu ponto forte. Dos ditados populares, ricamente colhidos a lá Guimarães Rosa, aos “felá-da-puta” dos arruaceiros, tudo colabora na caracterização realista da película (prejudicada somente pelo, já citado, maniqueísmo). Fernando Teixeira faz um ótimo trabalho na interpretação do típico “véio fofoqueiro” e falso-moralista. A composição da explorada, até mesmo no nome, Auxiliadora, também é impressionante. Mérito da atriz Mariah Teixeira.

Baixio das Bestas, enfim, não traz finais tristes ou felizes. O recorte escolhido por Assis, denunciante como uma grande obra, ou fetichista como uma frase qualquer escolhida para o início de uma resenha, simplesmente encontra seu limite.

Ledson Chagas

3 comentários:

Dayanne Pereira disse...

Você tem talento!!! Gostei do estilo da narrativa, se você não assinasse eu saberia q foi vc quem escreveu... e o filme ainda ajudou rsrsrs, não assiste ainda, mas depois dessa resenha... fiquei curiosa, ja tinha ouvido falar no filme... agora vou assiti-lo.
bjsss
Sucesso

Marcel Bane disse...

Massa, Ledinho, Massa...

Álvaro Andrade disse...

Po, velho, tenho que assistir esse filme. Bacana a resenha, do filme, já não espero o mesmo. Ouvi críticas negativas que me convencerão mais disso. Enfim, o veredicto vem depois de vê-lo. Vou locar logo.

Abraço.